Alerta verde
Alexandre Piza e Debora Ortiz discutem a importância da conservação dos recursos naturais do nosso litoral
As obras de requalificação da orla de Salvador - situada entre Stella Mares, Praia do Flamengo e Ipitanga - estão se iniciando e viemos lembrar da importância da conservação dos recursos naturais do nosso litoral.
Os freqüentadores dessas praias, certamente já se depararam com as obras que estão sendo feitas nesse trecho da cidade. Nós, surfistas, que costumamos ir à praia todos os dias, já temos visto um pouco do impacto negativo que essas intervenções vêm causando.
O transbordo de esgoto causado em dias de muita chuva, na área do pico conhecido como Padang, tem sido cada vez mais constante e tem deixado a água extremamente poluída, malcheirosa e expondo os banhistas / surfistas a doenças causadas por esse tipo de evento. Fora o impacto visual de água escura e a textura viscosa.
Em alguns locais, principalmente em frente ao pico conhecido como Corrente, o impacto do “cimento” mal implementado, já está nitidamente sofrendo efeitos erosivos e, antes mesmo de completar meses de implementação, já se degrada pelo efeito da ação da natureza.
O que talvez muita gente ainda não tenha se dado conta, falando especificamente de surf, é que essas intervenções acabarão mudando a movimentação dos bancos de areia dos picos e também dos fundos de pedra / coral, já que ao suprimir a vegetação costeira, o que veremos no fundo do mar também vai mudar, interferindo sim diretamente na formação das ondas.
Para quem não sabe, picos como Maresias – SP, antes dos muros que literalmente acabam na areia da praia, suprimiram totalmente a restinga e atualmente as ondas quebram com qualidade inferior ao que era há cerca de 30 / 40 anos atrás. E existem muitos exemplos desse tipo.
Esse trecho de orla de Salvador pode ser considerado o último onde ainda é possível encontrar espécies vegetais da Restinga e a fauna a ela associada. É importante lembrar que as vegetações associadas aos ambientes sedimentares costeiros desempenham papel fundamental na fixação dos cordões arenosos e das dunas, protegendo naturalmente o litoral de eventos erosivos provocados pelas ondas e marés.
O termo aqui utilizado segue as definições da Lei Federal nº 12.651/2012, que dispõe que as restingas, fixadoras de dunas são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP), que cobertas ou não por vegetação nativa, tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Sabemos que essa região já sofreu intensa degradação no passado, quando existiram muitas cabanas de praia, havia um fluxo intenso de pessoas e veículos e a vegetação, com o decorrer dos anos, foi sendo minimizada a fragmentos em pequenos “núcleos” formados atualmente por espécies nativas rasteiras, como as do gênero Ipomea (que formam o jundu, imprescindível para fixação das dunas e para a contenção natural da erosão costeira), associadas a cactáceas e outras espécies nativas ou não.
As espécies vegetais, tanto nativas como as exóticas (como os coqueiros, por exemplo), desempenham diversos serviços ambientais, como citado além de servir de abrigo (ninhos, pousio, reprodução), fonte de alimentação, para diversas espécies da fauna.
A área de abrangência da obra está situada na Área de Proteção Ambiental do Abaeté e próxima - em alguns trechos distando menos de 500 metros - do Parque das Dunas, que recebeu da UNESCO o título de Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em 2013 por proteger uma área onde encontra-se o último remanescente deste ecossistema na cidade de Salvador.
Por isso é muito importante que a obra aconteça de modo que venha a conservar os últimos núcleos de vegetação remanescentes nesse trecho de orla, mesmo que pequenos, com o objetivo de proteger as praias da erosão costeira e preservar espécies nativas da vegetação das restingas (jundu), Ipomea, e da fauna ameaçada de extinção como lagartinho-do-abaeté Ameivulaabaetensis.
A espécie Ameivulaabaetensis é contemplada no Plano de Ação Nacional para Conservação da Herpetofauna Ameaçada da Mata Atlântica.
* Debora Ortiz Bluhu é (Bióloga e Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente)
E-mail: novaera.sustentabilidade@gmail.com; IG: @novaera_sustentabilidade
Referências:
BRASIL. Lei Federal nº 12.651 de 25 de maio de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
ICMBIO. Avaliação do Risco de Extinção de Ameivulaabaetensis (Dias, Rocha &Vrcibradic, 2002) no Brasil. Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Brasília, 2014.
Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/estado-de-conservacao/8098-repteis-ameivula-abaetensis
ICMBIO.Plano de Ação Nacional para Conservação da Herpetofauna Ameaçada da Mata Atlântica. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/pan/pan-herpetofauna-do-nordeste/1-ciclo/pan-herpetofauna-do-nordeste-sumario.pdf
SOUZA et al. Restinga. Conceitos e empregos do termo no Brasil e implicações na Legislação Ambiental. Instituto Geológico. São Paulo. 2008.